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terça-feira, 9 de abril de 2013

Uma festa punk ( por Paula Andrea Rizzutti Prestes)


 DISCHORD ao vivo no antigo salão da Eletropaulo ( São Roque / SP)

ROT no antigo salão da Eletropaulo (São Roque / SP)

São Roque, em meados de 1997 e início de 1998, fervilhava com bandas punks e hardcores. Bem, eram várias bandas com os mesmos integrantes, mas cada uma com seus estilos e nomes diferentes. Baseados nos princípios de justiça social, quebra de preconceitos, e da anti-musica, nós organizávamos “ Gigs” de punk/grind/hardcore. Éramos tão “do it yourself” que logo nos tornamos referencia para outras cidades. Vivíamos e nos relacionávamos com Noises, Griders, Streght Edges, Punks, Anarco Punks, Emos, Hardcores da mesma forma, não havia separatismos em São Roque. Amigos de todos os grupos, não nos importávamos com cobranças de determinadas pessoas, para determinas bandas não tocarem em nossos shows. Os nossos princípios de igualdade acabavam passando por cima de picuinhas “corporativistas” e que chamávamos até bandas rivais para tocarem juntas em nossos shows.
Quando não havia espaço (bares, salões), os shows eram realizados na minha casa em Maylasky, no quintal, ao ar livre. Certa vez choveu, e os fios do microfone ficaram expostos na grama molhada, e vocalista levou um choque. Ele sofrendo o choque e nós alucinados pensando que ele estava sendo performático. Este show para ele foi chocante e marcante para nós.
Os ensaios das bandas São Roquenses eram realizados no Crust Studio, agora minha atual casa, onde no meu quarto tenho pesadelos grindcores. Certa vez perguntaram para minha mãe se aqui era uma escola, de tantos adolescentes que vinham de mochila. Vó Maria ao final da tarde preparava aquele café para todos nós e lá se iam de 30 a 40 pãezinhos. 
No meu aniversário de 17 anos, pedi para minha mãe que ela patrocinasse um show, e ela assim fez. Neste Gig organizado por mim, Anderson e Cristiano, chamamos as seguintes bandas: Araukana, She´s (minha banda de HC melódico), Againe (venderam muitas camisetas), Dischord (banda do meu irmão), SK Youth (saudades do meu amigo Marcelo) e Dance of Days. O show foi uma loucura, todo mundo curtindo muito. Regados a pão com mussarela (patrocinada pela mãe do Cris) e Plin Plin de Abacaxi (refrigerante da cidade). 
Nesta época não havia facebook ou e-mails para espalhar notícias de shows. O cartaz era montando com recortes de Jornais, e os nomes das bandas impressos na matricial, recortados e colados. Depois tirávamos xerox em sulfite colorido e despachávamos via correio como carta social, que na época custava R$ 0,01 centavos de reais. Alias a carta era nosso meio de comunicação com bandas e fanzines, os carteiros já sabiam o destino mesmo que o endereço estivesse errado, mas todos os dias esperávamos ansiosamente pela correspondência, e quando não havia nenhuma ficávamos com um vazio imenso. 
O show do meu aniversário, foi um marco, dando espaço para muitos outros no mesmo espaço e o slogan do cartaz passou a ser: São Rock não é uma Ilha. Depois deste show entramos na rota oficial das bandas nacionais e internacionais que estavam em turnês. Sempre na correria conseguíamos locais para as bandas tocarem e o público para ir ao show, mesmo que a missão fosse um dia, como foi o caso do show do Dead Fish em São Roque no meio da semana.
Os shows mais punks e grindcores eram organizados pelo meu irmão Anderson, pelo Waguinho e o Finão, todos integrantes do Dischord. Em um dos lendários shows realizados, eu estava na portaria e fui assaltada por uns usuários de craque da cidade. Muito ingênua deixei o dinheiro na caixinha em cima da mesa e fui explicar o preço dos ingressos, o menino pegou a caixa e saiu correndo e fui correndo atrás dele até chegar em uma vila, e eu gritava: vou te pegar filha da puta, volta aqui. Detalhe, quem me conhece sabe o meu tamanho, penso: a adrenalina faz o sujeito acreditar que é um gigante. Voltei sem a caixinha, sem os furtadores e sem o dinheiro. Este furto causou indignação em todos que estavam no show, até que alguém disse: eu conheço quem roubou, foi o Nardão! Outra voz: Você sabe onde ele mora? E ele respondeu: Sim. Neste instante todos punks, devidamente paramentados com seus coturnos, moicanos, camisetas de bandas, cintos de rebites, começaram ir atrás dos furtadores. Moicanos dominaram ruas e morros de São Roque, só que um detalhe: geralmente quando se leva uma vida muito fora dos padrões não se tem preparo físico. Então eram punks cansados subindo morros! Lotamos a caçamba da S10 do Hudson (dono da aparelhagem de som) e fomos atrás do tal Nardão. Imagine um monte de punk e skatistas na porta da casa do camarada e ele troca a camiseta para tentar me enganar. Eu quase voei nele e disse é você! Neste mesmo instante chegou a polícia e disse: Você de novo Nardão? Vai ter festa na delegacia hoje. Poxa vida, nós éramos contra a repressão e aí surgiu nossa dúvida ética. 
A caminho da delegacia, polícia na frente juntamente com meu irmão e no banco de traz Eu, Nardão e Cristiano. Chegando a delegacia os policiais adoraram ver o meliante, e todos riam e diziam: festinha hoje. Momento de reunião entre Cris, Paula e Anderson, decisão: deixa para lá. O acusado ficou morrendo de medo, pois ele não sabia se valia mais a pena apanhar dos policiais, ou dos punks que estavam aguardando do lado de fora, mas nós não iríamos fazer nada com ele. E ele acreditava? Achou suspeita a retirada da queixa. 
O nosso dinheiro já havia se perdido, sendo assim todos que estavam no show contribuíram para ajudar nos custos com aparelhagem e aluguel do salão, em um gesto de solidariedade. Este é o verdadeiro espírito punk rock.
Assim, passaram alguns meses meu irmão encontrou o Nardão no bar e ele agradeceu por aquele dia e pediu desculpas.
Várias tardes de ensaios com cara de shows, antigas noites de reunião e discussão, antigas idéias que permanecem até hoje dentro de nós, antigos debates marxistas X anarquistas, lindas amizades. 
Existem mil histórias que eu poderia contar neste texto, pois foram muitos shows, muitas confusões e muita diversão, momentos que marcam a vida, muitas conquistas, muitas adversidades, muitos aprendizados.



Angry Dolls ao vivo em São Roque/SP com: Ale na Guitarra e vocal; Paula na bateria e Ana no baixo...